Quem vê currículo não vê o coração de um candidato

As empresas só levam em consideração a experiência profissional, mas esquece de avaliar o comportamento, responsável por 90% das demissões.

São Paulo – Na hora de recrutar executivos, as empresas dão mais importância à experiência profissional do candidato do que ao seu comportamento. Mas as demissões, em 90% dos casos, se devem à atitude da pessoa e não à falta de conhecimento, como mostra pesquisa feita pela HSD Consultoria em RH e pela Orchestra Soluções Empresariais.

No último levantamento – realizado a partir de avaliações comportamentais com 3.500 profissionais que ocupam cargos de comando em médias e grandes corporações no período de 2014/2017-, 27% demonstram desvio de conduta que resultam em potenciais riscos para as empresas onde atuam. Um aumento considerável em relação à pesquisa anterior, de 2013, que apontava que 20% de 5 mil avaliações identificavam o problema.

“Fazemos esse tipo de estudo há 18 anos e, em todos eles, houve desvios sérios de caráter, que muitas vezes a empresa nem percebe durante a seleção dos candidatos. Justamente porque a avaliação leva em conta só o currículo e a demissão é por comportamento”, afirma a diretora executiva da Orchestra Soluções Empresariais, Suzana Falchi. Diante de tantos casos problemáticos, a empresa passou a oferecer aos clientes uma avaliação complementar que vai além do CV, chegando até a atitude do candidato. “Um executivo passa mais de 70% do seu tempo tomando decisões e tudo isso de uma forma totalmente subjetiva, portanto é preciso ir além na análise da pessoa”, explica.

Cargo certo

A avaliação não inclui apenas desvios de caráter. Segundo Suzana, o estudo ajuda as empresas também a traçar o perfil do candidato para a vaga em questão. “Muitas vezes as empresas querem promover um ótimo técnico para um cargo de chefia, mas nem sempre ele será um bom gestor e ao promovê-lo pode-se criar um problema com a equipe em geral”, afirma a especialista.

Mas, para adotar esse tipo de ação, segundo Suzana, é preciso que haja uma mudança de cultura na companhia como um todo. “É preciso deixar de ficar fazendo mudanças por tentativa e erro, que, muitas vezes, levam a prejuízo para a própria empresa e ao desgaste da equipe”, diz.

Foi exatamente para evitar esse tipo de problema que a Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) decidiu realizar um mapeamento completo de seus funcionários, indo desde o nível intelectual até capacidade de dissimulação. Responsável pelos processos seletivos e vestibulares que envolvem cerca de 700 mil candidatos ao ano (entre eles as Fatecs e Etecs), a instituição viu que precisava garantir a confiabilidade de toda a sua equipe e dos processos que realiza, como explica o professor Cesar Silva, diretor presidente da FAT e responsável por todo o processo. Para isso, os 50 funcionários fixos foram submetidos ao teste. “Foi importante porque ajudou também a melhorar a produtividade em 30%, com remanejamento de pessoas para funções mais adequadas ao seu perfil. Além disso, passamos a usar os critérios nas novas contratações”, afirma Silva, acrescentando que a avaliação mais profunda garantiu maior confiabilidade do pessoal que atua nos vestibulares. “É preciso muito cuidado para não vazar informações e não temos problemas nenhum porque temos as pessoas certas nos lugares certos”, diz.

No total, foram investidos pela fundação cerca de R$ 300 mil para análise dos profissionais e nos processos de contratação. “Não acho que seja caro e nos trouxe um benefício que já pagou todo o custo”, afirma Silva. Por se tratar de uma fundação e entidade do terceiro setor, a FAT presta contas ao Tribunal de Contas e à curadoria das Fundações do Ministério Público. “É necessário, portanto, ter segurança quanto à conduta de nossos funcionários e à eficiência dos processos”, conclui.

A meta da instituição agora é expandir sua atuação para outros pontos do Brasil, já que hoje ela atua predominantemente em São Paulo. “Já negociamos nossa expansão para o Distrito Federal, em projetos de apoio tecnológico.”

Psicopatas

A diretora da Orchestra alerta que o trabalho não tem nenhuma intenção de encontrar psicopatas nas organizações. “Nosso objetivo é ajudar as empresas a mapear o potencial dos seus colaboradores, até para conseguir melhores resultados. Mas é preciso dizer que é importante detectar desvios de caráter antes de problemas mais sérios que possam comprometer o futuro do grupo”.

O processo ocorre da seguinte forma: primeiramente é aplicado um conjunto de testes, que demandam duas horas para sua realização e, em seguida, uma entrevista individual. Dentre outros aspectos, é analisado o perfil comportamental do executivo, o que se dá por meio de testes psicológicos (em que se avalia as funções psíquicas do indivíduo), o Disc (que aponta a forma como age em variadas situações), de inteligência (avaliação sobre entendimento de diferentes níveis de complexidade e envolvimento de muitas variáveis em um determinado contexto) e até o grafológico que, embora não reconhecido no país pelo Conselho Regional de Psicologia, é largamente utilizado em todo o mundo.

“A partir daí, pode-se identificar motivações e valores, padrões de pensamento e julgamento e estrutura da personalidade que definem os processos decisórios”, diz Susana, acrescentando que ao menos 70% do tempo dos executivos é dedicado à tomada de decisões.

Anna França

Fonte: DCI