Ensino básico deve ter onda de fusões e aquisições no pós-pandemia – Jornal O Globo
Houve aumento da inadimplência e redução de receita com descontos oferecidos aos pais que perderam emprego ou renda. Quadro favorece entrada de fundos de investimento e empresas.
Depois da onda de consolidação no ensino privado superior, a educação básica deverá ser o próximo segmento a passar por um movimento de fusões e aquisições, preveem especialistas. A pandemia do novo coronavírus teve um impacto nocivo para o setor, que já vinha com problemas desde a recessão iniciada em 2014.
Houve aumento da inadimplência e redução de receita por conta dos descontos oferecidos aos pais que perderam emprego ou renda. Além disso, a necessidade de mais investimentos em tecnologia, em razão das aulas on-line, deixou muitos estabelecimentos fragilizados financeiramente, quadro que favorece a chegada de fundos de investimentos ou grupos com dinheiro em caixa prontos para ir às compras.
— Como as escolas estão fragilizadas, será muito fácil para estes grupos que têm nomes fortes e estrutura adquirirem colégios pequenos — comenta Francisco Borges, consultor de educação e professor da Fundação de Apoio à Tecnologia. — A adesão a um sistema ou a uma plataforma de conteúdo foi obrigatória na pandemia, e isso é um meio caminho para a venda da escola — acrescenta.
O segmento tem 40 mil escolas privadas de educação básica no país, o que o torna bastante pulverizado. O Brasil tem cerca de 53 milhões de estudantes no ensino básico e médio, sendo que oito milhões estudam em escolas privadas. Os maiores grupos de escolas, sozinhos, não contam com sequer 1% desse mercado. Segundo os especialistas, esses grupos hoje mal ultrapassam os 40 mil alunos. A inadimplência, que girava entre 3% e 5%, dobrou, observa Ricardo Luiz de Jesus, sócio da consultoria MRD.
Desafio de caixa em 2021
Cada escola tem uma média de 300 alunos, e o preço das mensalidades fica entre R$ 500 e R$ 600, o que corresponde a uma receita mensal de R$ 150 mil a R$ 180 mil. São Paulo, devido à concentração de renda, conta com escolas maiores (entre 500 e mil alunos), e estas são as mais assediadas.
— Ainda há dúvidas de como essas escolas vão conduzir a volta às aulas no próximo ano, e a gestão do caixa será um desafio. Esse cenário vai provocar uma onda de fusões e aquisições no setor — diz o especialista da MRD.
Para Francisco Borges, a consolidação do ensino básico deve acontecer nos próximos dez anos, metade do tempo que este processo levou no ensino universitário. Ele prevê maior interação entre os dois mundos, parcerias entre escolas e universidades para criar um “caminho natural” para os estudantes.
A Rede Decisão, que nasceu com três colégios na periferia de São Paulo — a primeira foi na Cidade Ademar, bairro da Zona Sul paulistana —, hoje tem 12 escolas, chegou a Minas Gerais e está conversando com investidores para uma rodada entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões em troca de 15% a 25% da empresa, que conta com 6.500 alunos, que pagam uma mensalidade média de R$ 700. Sua meta é chegar a 50 escolas e 30 mil alunos em uma década.
— Há uma responsabilidade social, não é só uma consolidação. As escolas têm histórias, em geral são negócios de família, fundadas por educadores. Comprar uma escola é diferente de comprar um comércio ou um serviço qualquer. Temos que respeitar as pessoas, mostrar benefícios, mas mantendo a qualidade e a ligação com a comunidade — afirma Gabriel Alves, presidente da Rede Decisão.
Gabriel Ribeiro, diretor-presidente da Bahema Educação, avalia que a pandemia acelerou uma tendência: a necessidade de uma gestão menos artesanal e mais profissional.
A Bahema também sofreu com a crise sanitária: concedeu descontos “customizados” aos pais, com percentuais maiores aos que perderam renda, e adiou o pagamento de mensalidades até o fim de 2021. Mas tinha se preparado para um cenário negativo trazido pela pandemia, usou seu caixa e tomou crédito para atravessar o ano.
Postura antipredatória
A estratégia da Bahema, diz Ribeiro, não é ter uma postura “predatória” e buscar escolas fragilizadas.
— Não gosto da filosofia de que a crise gera barganhas. Buscamos escolas com tradição, com uma estratégia que olha para necessidades específicas de cada escola, que respeita o DNA implementado pelos fundadores. O ensino básico é diferente do superior, porque há um contato mais próximo com a família — diz Ribeiro, que veio da Ânima Educação.
A Bahema tem 11 escolas com dez mil alunos em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Santa Catarina. Em 2017, assumiu o controle de um dos mais tradicionais colégios construtivistas de São Paulo, a Escola da Vila. Nos anos seguintes, iniciou um movimento de aquisição de diversas fatias minoritárias de outros estabelecimentos, com opção de controle em três anos.
Este ano, exerceu a opção de compra de 100% das ações da Escola Viva, na Vila Olímpia, em São Paulo. Também concluiu a compra da Escola Autonomia, de Florianópolis. O acordo foi firmado em R$ 29,4 milhões.
— As conversas para novas aquisições continuam, temos algumas em andamento — afirma Ribeiro.
A Bahema é a única empresa listada na Bolsa com foco exclusivamente no ensino fundamental e médio.
Visão de longo prazo
O consultor Ricardo Luiz lembra que, no ensino básico, os investidores precisam ter visão de longo prazo. Trata-se de um ciclo longo, em que os estudantes permanecem na escola por até 14 anos.
Em novembro, a Rede Evolua, braço educacional da LTI Capital, comprou o tradicional colégio paulistano Palmares e o Equilíbrio por R$ 150 milhões, incluindo investimentos que farão no futuro. Guto Dobes Filho, presidente da Rede Evolua, afirma que isso é só o começo, já que o objetivo é passar dos atuais 900 alunos para 15 mil até o fim de 2021.
— O Brasil tem um mercado na área de educação e também uma deficiência, basta pegar os resultados das comparações internacionais. Podemos atuar muito neste segmento para ter um impacto social também nas crianças, criando uma possibilidade de uma educação de mais qualidade — comenta Dobes Filho.
Arno Krug, presidente da Maple Bear na América Latina, conta que a aversão a redes e franquias já vinha mudando e se reduziu ainda mais na pandemia.
Oferecendo ensino bilíngue e integral em 200 escolas no início de 2021, com 27 mil alunos, ele espera começar 2022 com algo entre 240 e 250 escolas, e mais de 30 mil alunos na rede que se iniciou no Canadá. A Maple Bear cresceu mais fortemente desde 2017, quando o Grupo SEB adquiriu a rede na América Latina.
— Nós fechamos o ano com mais alunos que antes da pandemia. Vimos os pais buscando escolas preparadas, que estavam investindo em tecnologia. Terminamos 2020 com 2,7 milhões de aulas à distância, algo inimaginável antes da pandemia — diz Krug.
– Henrique Gomes Batista e João Sorima Neto
Publicado primeiro em Jornal O Globo
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