Educação superior privada se posiciona para nova década no Brasil
Por César Silva*
A partir dos anos 2000 houve abertura do mercado para a movimentação de estabelecimentos de ensino superior, que se consolidaram em grandes grupos. Naquela época, o pontapé inicial para a primeira onda de aquisições foi dado pelo Laureate, que agora, ironicamente, fará de sua venda outro marco para outro importante movimento que delineará a próxima década da educação no Brasil.
De 2010 a 2019 é evidente um ajuste do setor em decorrência da falência das políticas públicas de acesso ao ensino superior, quando os números de ingressantes pelo Prouni e pelo FIES registraram queda exponencial. A saída para crescer foi uma segunda onda de fusões e aquisições. Na mira, faculdades, centros universitários e universidades de até 100 mil alunos. A partir de 2017, surgiu também a oportunidade de oferta mais significativa de Educação a Distância (EaD).
Desta forma, chegamos a 2020 com 8,5 milhões de alunos, dos quais cerca de 20%, ou 1,7 milhões estão matriculados em programas EaD. Mas a realidade estabelecida pela pandemia deixou claro que a modalidade online vai avançar mais rapidamente do que o previsto. Assim, em até três anos estima-se que 50% dos alunos obterão graduação pela internet. O que, por si só, define uma estrutura competitiva para a nova década baseada em recursos tecnológicos.
Isso, porém, não descarta a uma terceira onda de aquisições. Como já destacado, o Grupo Educacional Laureate, que ocupa o 4º lugar do setor em número de alunos, com mais de 270 mil matriculados, está à venda. O Grupo Ser Educacional, o 6º com 140 mil alunos; e a Ânima Educação, o 8º do ranking, com 100 mil inscritos; disputam os ativos.
Disputas e cenário
Seja lá quem sair vitorioso, o cenário mercadológico muda bastante, pois vai consolidar o comprador entre os três maiores do setor. E hoje, ao contrário de 2000, quando as movimentações eram imprevisíveis, todos os grandes grupos estão listados, com capital aberto, números disponíveis para análises, e todas as informações necessárias para construção e validação das estratégias.
A Kroton, atual Cogna, mantém a sua posição de líder do setor, com cerca de 900 mil alunos. É um posicionamento de luta, com pouco diferencial e baixo preço. Para crescer, o grupo deve se voltar para outra marca, a Somos, focada em educação básica. Não há grandes margens para ir muito além da educação superior, a não ser a otimização de recursos tecnológicos para ampliação dos cursos EaD, por meio de suas marcas já estabelecidas como a Unopar.
O Estácio, vice-líder com 400 mil alunos, terá a posição ameaçada caso o Grupo Ser Educacional abocanhe a Laureate. Chegou a ensaiar participação da concorrência, mas deixou de lado porque ainda está em processo de “digestão” das marcas que adquiriu com a compra da Adtalem. Vale destacar que a Adtalem tinha cerca de 50 mil alunos quando foi adquirida e em seu portfólio está o cobiçado grupo IBMEC.
Agora denominada YDUQS, o Estácio se esforça para convencer o mercado, principalmente os alunos e seus responsáveis, de que tem competência para manter uma marca qualitativa isolada das suas outras unidades que competem por preço e por padronização de estratégias. E enquanto constrói essa reputação, os competidores se aproximam de seu patamar de quase 500 mil alunos.
Importante destacar que a história da YDUQS (Estácio) tem dois momentos de letargia, durante os anos 2015 e 2016. A primeira quando estava em processo de venda para a Cogna (Kroton), negócio glosado pelo CADE. E agora, na incorporação e estruturação de gestão de uma marca qualitativa como o IBMEC em sua praça de origem, o Rio de Janeiro.
Já a Cruzeiro do Sul Educacional, que ocupa a 5ª posição com cerca de 180 mil alunos comunicou ao mercado que vai realizar seu IPO. E com isto deve obter caixa para realizar algumas compras de grupos significativos em relação à marca e a volume de alunos.
A batalha da década para se posicionar entre os “majors” tem ainda outro ator importante, a UNIP, que tem cerca de 250 mil alunos. De gestão tradicional, mantenedor bastante idoso e sem sucessão profissional, o grupo está nas mãos de diversos sócios pequenos. Neste caso, passa a ser uma peça que pode dar novas cores ao setor não como consolidador, mas como potencial alvo de incorporação dos demais.
Especula-se que o SER Educacional leve o Laureate pelos R$ 4 bilhões ofertados, sendo que ao final da negociação seus mantenedores ficariam com 40% da nova companhia. A Ânima Educação, por sua vez, fez uma oferta mais interessante e que cobre uma multa de não venda para o SER Educacional no valor de R$ 180 milhões.
Ambas as ofertas são boas, mas, certamente o grupo liderado por Janguiê Diniz, ex-engraxate, não fez todo este movimento no setor para abrir mão da vice-liderança no pódio, por R$ 180 milhões. Assim, a ordem dos players na próxima década deve ser: Cogna (Kroton); Ser Educacional (Laureate); Estácio (IBMEC); UNIP; Cruzeiro do Sul (com caixa e apetite para as compras); Univove; e Ânima Educação.
Algumas coisas podem até mudar, mas é certo que o movimento na educação superior privada não para e os próximos anos serão de batalhas dos grandes grupos e de extinção de pequenas marcas de nicho. Aguardemos!
*César Silva é diretor Presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo – FATEC-SP há mais de 30 anos.
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