Ações reprovadas – Ministério da Educação anuncia “Lava Jato” do setor e cotação dos papéis das empresas afundam

A Operação Lava Jato, da Polícia Federal, começou em março de 2014 e ainda não acabou. Da primeira fase à atual, de número 60, ela já mostrou a origem e o destino de milhões de reais provenientes de atos de corrupção e lavagem de dinheiro. Além de prender ex-presidentes e alguns dos maiores empresários nacionais, a Lava Jato devastou os números da Petrobras e de vários gigantes corporativos que eram seus fornecedores. Essa imagem tenebrosa veio à mente dos investidores em educação quando, no dia 14 de fevereiro, o Ministério da Educação (MEC) anunciou algo parecido. A pasta comandada pelo colombiano Ricardo Vélez investiga favorecimentos indevidos em vários programas. Os principais são o Universidade para Todos (ProUni), em que instituições de ensino privadas financiam estudantes de baixa renda em troca de abatimento de impostos, e o Pronatec, programa voltado aos cursos técnicos.

A incerteza em relação aos desdobramentos dessa averiguação fez os investidores reprovar as ações do setor. Na sexta-feira 15, um dia depois do anúncio, o Índice Bovespa caiu 0,50%. Já os papéis da Kroton recuaram 6,2% e os da Ser Educacional perderam 7,2%. As investigações podem levar a um rigor maior do MEC nas regulamentações e também favorecer mudanças nas regras, como modificações na carga horária acadêmica e maior rigidez na oferta e fiscalização dos programas. “Todas as instituições podem ser prejudicadas”, diz Francisco Borges, consultor de educação da Fundação FAT. “Há um problema a ser tratado e não importa quem vai ser apontado como responsável. O segmento pode ficar congelado e as instituições boas pagarem pelas ruins.”

Os analistas são menos pessimistas. Luiz Mauricio Garcia, da Ágora Investimentos, avalia que é cedo para tirar conclusões sobre o impacto da investigação. Ele destaca o comportamento positivo dos papéis antes do anúncio. “Deste o início do ano, o setor tem apresentado bom desempenho e os preços das ações avançaram 20%, ante 11% do Ibovespa”, avalia em relatório. Garcia afirma que os investidores devam adotar uma postura mais conservadora em relação aos papéis, e não descarta novas quedas pontuais nos preços. Mas a sua visão no longo prazo ainda é positiva. Ele recomenda a compra da ação da Estácio, que está sendo negociada a R$ 27,76, com desconto em relação à média do setor. Ele calcula um preço-alvo de R$ 40 em 12 meses, com uma valorização potencial de 30%. A empresa, que contabilizava 531 mil alunos até setembro do ano passado, tem a segunda maior participação no ensino superior privado do País, de cerca de 7,3%, atrás somente dos 14% da líder Kroton.

RISCO Segundo os analistas, as investigações podem afetar o desempenho no curto prazo. No entanto, o maior risco para as empresas é a concorrência do Ensino a Distância (EAD), que vem avançando rapidamente. A mensalidade média nesse segmento é de R$ 260, ao passo que os cursos presenciais custam R$ 780. O desafio para as empresas é implantar a EAD promovendo um corte de custos compatível com a queda potencial do faturamento. Para os analistas, a geração de caixa das empresas não deverá ser afetada no curto prazo.

Outra tendência que deve se acentuar nos próximos anos são os cursos híbridos – parte presenciais, parte em EAD. No dia 10 de fevereiro entrou em vigor a autorização governamental para as instituições de ensino elevarem de 20% para 40% a oferta de disciplinas que podem ser ministradas à distância. Essa medida permitirá reduzir o gasto com espaços e demitir professores, mas as instituições têm de se comprometer a manter a qualidade dos cursos oferecidos.

Há mais dois desafios para a rentabilidade do setor. Um deles é a lenta recuperação da economia. O desemprego incentiva a evasão escolar, principalmente entre os alunos de renda mais baixa. Outro é a mudança no perfil do faturamento. Neste ano e no próximo, boa parte dos estudantes que se matriculou graças às políticas inclusivas do Fies devem receber seus diplomas, o que vai reduzir a participação dessas categorias no corpo discente.

Em setembro do ano passado a Kroton tinha 88 mil estudantes matriculados com contratos de Fies, queda de 40,6% em relação ao mesmo período de 2017. Na avaliação de Jairo Rytenband, analista de educação do fundo Versa, as empresas passam por um período de renovação neste ano com a formatura dos alunos do Fies e a diminuição dessa categoria nas respectivas bases. “Isso vai contribuiu para uma recuperação do número de alunos na modalidade presencial. Mas essa melhora deve ser observada somente em 2020”, diz.

Publicado originalmente em: https://www.istoedinheiro.com.br/acoesreprovadas/

Por Priscilla Arroyo

22/02/19 – 11h00 – Atualizado em 22/02/19 – 15h31