O acesso ao ensino superior depende de regulação e qualidade

É preciso corrigir a oferta de cursos, para despertar o interesse dos estudantes e aumentar a empregabilidade.

Por César Silva*: A divulgação do Censo da Educação Superior realizado em 2021 evidencia que o crescimento da Educação a Distância (EaD) é uma tendência que veio para ficar. Considerando tanto as Instituições de Ensino Superior públicas quanto as privadas, foram 62,8% o percentual de ingressantes na modalidade EaD. Se considerarmos apenas os alunos das Instituições de Ensino Superior privadas, o percentual sobe para 70% das matrículas.

O efeito pode estar ligado à pandemia, que viabilizou ainda mais a cultura digital e a modalidade  EaD. No entanto, vale ressaltar que este é um novo recorde de matrículas, mesmo com o controle do Covid-19 pós-vacinação: foram, ao todo, 3.944.897 novos ingressantes. Com este recorde, chegamos ao maior número de alunos matriculados no ensino superior em todos os tempos:  8.986.554, crescimento de 3,5% em relação à base de alunos de 2020 – 8.680.354.

Foram 62,8% o percentual de ingressantes na modalidade EaD
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O número de ingressantes no ensino superior vem crescendo desde 2015 na ordem de 3% ao ano, mas o grande salto passou a acontecer em 2020, quando o número de matriculados na modalidade EaD passou o do ensino presencial. A tendência  fica ainda mais evidente quando abrimos os dados de 2021, comparando-os com 2020. Enquanto o ensino EaD ganhou mais 470 mil novos matriculados, o presencial perdeu 290 mil. Duas questões levam a este comportamento.

Primeiro, muitos alunos não têm mais interesse por  cursos que demandam a presencialidade por questões práticas como, por exemplo,  não precisarem se deslocar, otimizando seu tempo de estudo. Outra questão é o valor investido, pois os cursos na modalidade EaD são bem mais baratos que os mesmos cursos na modalidade presencial.

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A mensalidades para licenciaturas estão na faixa dos R$ 100,00, as dos cursos de gestão na ordem de R$ 150,00, os cursos de Engenharia e de Saúde, mais instrumentais, que necessitam de laboratórios com recursos específicos, custam entre R$ 300,00 e R$ 450,00. O excesso de oferta de vagas é o que justifica os baixos valores das mensalidades. Segundo o Censo de 2021, foram 22,6 milhões de vagas ofertadas, sendo 16,7 milhões na modalidade EAD e 5,9 milhões de vagas na modalidade presencial. O volume é cinco vezes maior que a demanda. Ao todo, foram ocupadas somente 4 milhões de vagas.

Diante deste cenário, é possível perceber que a modalidade EAD se tornou uma estratégia de estímulo ao acesso ao ensino superior. Mas, seu crescimento significativo demonstra que é preciso não só preço acessível, mas sim ter um cuidado especial com a qualidade dos cursos ofertados.

Os resultados apontados pelo ENADE e a baixa empregabilidade dos graduados evidenciam a qualidade duvidosa dos cursos de graduação nas instituições privadas. Já do lado das universidades públicas, temos a oferta de cursos desinteressantes, tanto que, mesmo nos cursos gratuitos, a ocupação é de apenas  70% das vagas ofertadas.

É chegada a hora de fazer um trabalho de limpeza da base, de excluir do mercado os cursos e instituições de ensino ruins  e também excluir os cursos nas universidades públicas que só interessam aos professores que estão no quadro.

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Mais preocupante ainda é a falta de interesse dos ingressantes por cursos voltados para a formação de docentes. Mas também não é de se estranhar. Há uma desmotivação generalizada por seguir uma carreira nada promissora. Neste caso, não há falta de curso, falta quem queira cursar e isso irá gerar um déficit de professores nas próximas décadas. Do outro lado, se nos deparamos hoje com a falta de profissionais de TI, é porque os cidadãos não se sentem motivados e capazes a cursar esses programas, mesmo tendo oportunidades de remuneração significativa até mesmo durante a graduação.

Ajustar o perfil de oferta não é só ajustar as modalidades EaD e presencial. É preciso  o papel do órgão regulador:  limpar,  corrigir a oferta para evitar que cidadãos e o Estado (com FIES e PROUNI) paguem por cursos ruins na sua entrega e na chance de empregabilidade.

Foram quatro anos de um MEC sem projetos, sem planos e sem controle regulatório. Esperamos passar a ter um órgão regulador que estimule a qualidade, que valorize as instituições de ensino superior e cursos que tenham vínculo com a demanda estratégica de mercado e que mereçam ser oferecidos com os recursos públicos que pagamos. Isto é gestão, é governança. Dados temos, falta vontade política para fazer dar certo.

*César Silva é diretor Presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo – FATEC-SP há mais de 30 anos. Foi vice-diretor superintendente do Centro Paula Souza. É formado em Administração de Empresas, com especialização em Gestão de Projetos e Processos.

Publicado primeiro em: Revista Ensino Superior
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