Frases feitas que distorcem as relações de trabalho precisam ser extintas
Frases feitas que distorcem as relações de trabalho precisam ser extintas. O ano de 2022 será lembrado pelos brasileiros como o marco de uma transição política democrática, apesar do apesar do crescimento de discórdia e do desserviço das notícias falsas e desestimulantes. Nele, ainda convivemos com os riscos e consequências de um surto pandêmico, mas destacou-se a nossa sabedoria de sobreviver.
Por falar em pessoas, uma reflexão importante para o Novo Ano diz respeito à relação de cada uma com as empresas. Essas companhias, que formam grupos associados de pessoas, e nós, individualmente, temos nossas atitudes controladas por regras estabelecidas na legislação trabalhista, no código civil, nas regras de negócios expressas em contratos e, principalmente, por acordos verbais e regras não escritas – mas ditas e transformadas como verdades que regem o controle das corporações sobre os seres humanos. Estabelecem castas, diferenças entre as pessoas que não se materializam verdadeiramente.
Chegamos ao momento em que devemos dizer não às frases feitas que desqualificam o cidadão como membro de um grupo social denominado empresa. Se o que vale é a eficácia, não precisamos “ser vistos para sermos lembrados“. A ausência de pessoas competentes e queridas é fortemente sentida quando não as vemos.
A atitude dos colaboradores é uma regra de ação e reação, que é o princípio fundamental da dinâmica, estabelecida por Newton. Qualquer colaborador reage de acordo como é tratado. Se a empresa prega que “você precisa ter atitude de dono”, a mesma deve agir com o colaborador como um dono, com respeito, dando a ele autonomia, valorização de seus resultados e atitudes e destacando a liberdade de decisão entre as suas atribuições. O ser humano é antes de tudo o ser livre, antes de ser dono.
Não há espaço mais para “liderança tem que dar o exemplo”. As relações de atividades nas corporações nos colocam constantemente como membros de uma equipe multidisciplinar, às vezes seguindo determinações de lideranças, às vezes nos colocando como líderes de atividades ou mesmo de tarefas. Assim, ser exemplo é algo natural quando preciso e não deve ser delimitado apenas ao líder. O líder exemplo e herói foi extinto nas batalhas das guerras santas.
Viver coletivamente é um benefício social importante. As pessoas se associam para compensar dificuldades, para buscar um bem mais importante que não pode ser conseguido só, ou até se associam em mais pessoas para que construam juntas relações que favorecem a todas a serem mais importantes e especiais individualmente e em grupo. Toda relação coletiva é uma construção de força de compromissos, baseadas em direitos e deveres!
Desta forma, ouvir que “isso é questão de bom senso” está fadado simplesmente a destacar o óbvio e o improdutivo. O bom senso é o básico de todas as escolhas diárias de todas as pessoas, e não apenas das que representam as empresas como lideranças de áreas, diretores ou os denominados C-levels.
Outro ponto importante é a transparência das relações, a confiança nos contatos, nas certezas de poder contar uns com os outros. Por isso a frase “feedback é um presente” deve ser considerada como um presente descartado. Esta frase traz incorporada a si a relação de submissão entre o liderado e o líder, e o feedback do líder ser supremo e maior como o “consertador” de condutas de pessoas não existe mais na vida corporativa moderna.
Outras afirmações comuns embarcam um poder supremo das empresas sobre as pessoas que as constituem: “salário emocional”. Neste caso, cabe destacar que não tem terapia que administre nossas emoções se nosso salário não proporciona condições dignas. ter um clima de trabalho agradável não é benefício, e sim obrigação decorrente de proposta de gestão humanizada e baseada no coletivo.
Devemos lembrar da assustadora “temos um desafio para você“. Como se sabe, os heróis não sobrevivem no mundo moderno, e o desafio deve ser sempre pessoal e individual, não do grupo para o indivíduo. Em leituras mais críticas esta frase pode ser considerada bullying corporativo.
Assim como a posse do novo governo foi marcada por um sinal de mudança da postura com a população brasileira, ao vermos índios e outras minorias subindo a rampa, o gestor deve rever seu papel e a forma como lida com seus funcionários. Aí sim caberia a frase “temos um desafio para você”.
Temos que tomar muito cuidado quando ouvimos as seguintes frases mágicas e avaliar porque elas foram ditas. Atenção com “saia da sua zona de conforto”, pois com certeza esta frase carrega o desejo de uma das partes em colocar nas costas de alguém determinadas atividades que estão além das suas condições de entrega.
Cabe destacar que a sua vida e as suas escolhas são importantes para que a busca da felicidade seja a sua opção contínua. E esta busca não acontece apenas no mundo do trabalho. O ser humano é um ser amplo, com várias dimensões. O ser humano é um diamante com diversas facetas, e todas elas precisam ser polidas, lapidadas e melhoradas, para que haja o equilíbrio de busca e realização. Desta forma, a frase: “Seu propósito está no seu trabalho” minimiza o ser humano a uma dimensão única, balizando o cidadão aos limites de controle corporativo.
Em 2023 precisamos de vez romper estas barreiras. O senso comum abriga frases que, a princípio, podem soar como motivadoras e de efeito, mas jamais pode haver espaço para o que limita o seu pensar, o seu ser, o seu fazer. O cidadão é um trabalhador e empreendedor livre. Ele é mais produtivo quando rompe com as barreiras das marcas deixadas pelas frases que soam bonitas, mas que no fim das contas são ditas por quem deseja controlar a sua forma de ser e de pensar.
Seres humanos e cidadãos livres sonham alto, brilham mais forte e – para empregadores que ainda colocam o lucro acima de tudo – produzem mais.
Por César Silva, diretor Presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo – FATEC-SP há mais de 30 anos. Foi vice-diretor superintendente do Centro Paula Souza. É formado em Administração de Empresas, com especialização em Gestão de Projetos, Processos Organizacionais e Sistemas de Informação.
Publicado primeiro em RH para Você | 10/01/202
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