Modelos para se alcançar os objetivos propostos pela BNCC

Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em maio de 2018 e que norteará os programas educacionais do ensino fundamental a partir do próximo ano em todo o país, retira a ênfase na apresentação teórica de conteúdos para privilegiar a descoberta e o aprendizado por meio do fazer. A iniciativa busca contextualizar o conteúdo, dar sentido à aprendizagem, algo de suma importância, particularmente para os jovens de hoje, que acabam tendo mais contato com ambientes virtuais do que com o mundo real.

A proposta principal da BNCC é fazer com que o aluno saiba como aplicar o conhecimento que recebe em sala de aula e desenvolver competências, algo que o modelo educacional usado até agora não se mostrou capaz de realizar. Muitos educadores observam que, após quatorze ou mais anos no ensino fundamental, o estudante conclui esta etapa dos estudos sem estar apto para a realização das tarefas mais básicas do dia a dia. É deste modelo também que surgem questionamentos sobre ‘para que estou aprendendo isso?’ e parte das angústias de uma geração que não sabe lidar frustrações. A escola é o ambiente onde devem conhecer os processos que levam às realizações.

A BNCC não define programas de ensino. Apenas aponta metas. Desta forma, gestores das redes pública e privada devem desenvolver metodologias próprias em busca deste objetivo. Uma das alternativas que muitas escolas têm adotado é o desenvolvimento de espaços estruturados que se assemelham a oficinas. São os chamados ‘espaços maker’. Equipados com ferramentas, matérias-primas básicas, componentes e mecanismos, permitem que o aluno assimile conceitos teóricos realizando projetos que resultaram na criação de objetos funcionais.

Neles, o educador, ao invés de despejar conteúdo, cria o envolvimento, o compartilhamento de conhecimentos transmitindo o saber por meio do fazer. É óbvio que a melhor forma de assimilar conceitos de física é durante a realização de projetos que culminem na produção de componentes eletrônicos. Independentemente do grau de complexidade dos objetos, os alunos atuam desde a concepção e manufatura de componentes mecânicos até sua montagem final. Desta forma, além de se familiarizarem com diversos tipos de tecnologias e desenvolverem inúmeras habilidades – inclusive a de trabalhar em grupo e aprimorar relações interpessoais – alunos podem assimilar melhor as teorias, mas com significados que, por conta do modelo antigo, não lhes eram transmitidos.

Este conceito de aprendizagem pode ser tanto intra quanto extracurricular. Os ambientes onde isso se dará devem se adequar à realidade de cada instituição e da comunidade onde está inserida. Podem dispor apenas de materiais simples, como tábuas de MDF, fios, lâmpadas, canos de PVC, serras, parafusos, porcas e ferramentas. A intenção é que proporcionem a oportunidade dos jovens criarem coisas que integram sua realidade, que estão presentes em seus cotidianos e, desta forma, assimilarem o conhecimento. Para tanto, os espaços devem ser estruturados e adequados à realização de projetos.

Não demandam, necessariamente, grandes investimentos nem muita sofisticação. Todavia, alguns chegam a contar com equipamentos de ponta que são muito mais acessíveis do que se pode imaginar. Há instituições de ensino superior que desenvolvem, em seus espaços makers, entre outros, impressoras 3D e as fornecem gratuitamente a escolas do nível fundamental, muitas vezes com a única exigência de associaram suas marcas ao projeto.

Não adianta, porém, dispor de espaços assim estruturados e manter projetos pedagógicos conteudistas. A proposta da BNCC é levar o aluno para o centro do processo de aprendizagem, o que ocorrerá por meio de uma nova forma de pensar as tecnologias, desde as mais manuais às digitais. O professor passa a ter um novo papel: o de proporcionar a descoberta, em detrimento da transmissão de conteúdos e cobrança da sua assimilação – o que se dá, com o modelo conteudista, geralmente, de forma meramente temporária.

Este novo conceito de ensino não está na proposta da BNCC: está na cultura, no modelo educacional de cada instituição. E, por conta dos movimentos do mercado, as que desejarem sobreviver de forma independente terão de possuir identidades próprias que as diferenciem no mercado. A concentração excessiva que se observa hoje no ensino superior levou pouco mais de dez anos para se concretizar. No ensino fundamental, as recentes aquisições da Kroton tornam evidente que o mesmo acontecerá, mas num espaço de tempo muito menor, deixando três ou quatro grandes grupos ‘comandando’ o setor.

Além do movimento que o setor educacional vivenciará nos próximos anos, o país passa por um momento crítico. Além de toda polarização, o Brasil perdeu oportunidades importantes. A maior delas foi o chamado Bônus Demográfico, episódio raro para uma nação, quando a maior parte de sua população está apta a produzir. O país era uma pirâmide que tinha como base pessoas em idade adequada para o mercado de trabalho, o que não foi aproveitado por conta da crise. Agora, tornou-se um losango e, daqui a 30 anos, será uma pirâmide invertida, com idosos desqualificados para o mundo do trabalho. Não há reforma previdenciária que trate um país com mais de 30% de sua população incapaz física e intelectualmente de produzir recursos financeiros.

Por isso, a educação deve formar um jovem diferente, que questione, que se motive. Educação tem de ter significado para que evidencie qual é a razão de se aprender. Motivar o aluno a realizar algo é a melhor maneira de mostrar como funcionam as teorias, sejam quais forem, que não devem ser decoradas, mas vivenciadas para serem compreendidas. A oportunidade de aprendizado surge do que acontece.

O caminho é o processo. Hoje se pensa no objetivo e esquecendo o processo, o que é errado na proposta de um modelo educacional que busca desenvolver o pensar, o refletir e o aprimorar. Deve-se aprender com o processo, com os erros que acontecem; os erros são elementos reais e ativos do processo ensino-aprendizagem e não deflatores de resultados.

Os jovens de hoje são virtuais. Sua dificuldade em compreender seno e cosseno não advém da equação, mas da falta de materialidade daquilo e do fato de que esses jovens não enxergam, não materializam. Falta a parte prática da relação com o real, porque ele não subiu a árvore para pegar a goiaba. A fruta que ele conhece vem embalada em caixas. Tudo é oferecido com muita facilidade, o que os poupa a passagem por processos. É isso que os fazem se desesperarem, matarem-se, viverem angustiados, porque, no primeiro desafio, por mais insignificante que seja, frustram-se. A realidade virtual em que vivem faz com que não consigam materializar nada, nem a angústia nem o problema. Devem sentar em grupo e discutir. Será que conseguem se posicionar em grupo ou, como no Whatsapp, bloquearão o primeiro interlocutor que os contrariar?

A BNCC não é currículo. É uma semente para disseminação de um novo modelo. Seu papel é ser o insumo para a constituição do currículo da rede e formulação dos planos de projetos pedagógicos das escolas para que elas tenham suas identidades. Instituições têm características distintas, o que tem de ser respeitado nas propostas de cada uma. É a base que dá rumo para onde se quer chegar. Indica os objetivos, mas não como eles serão atingidos. Isso deve ser previsto na proposta pedagógica o que cabe à gestão.

Cesar Silva Cesar Silva é presidente da Fundação FAT, entidade sem fins lucrativos que desenvolve cursos e treinamentos nas áreas de educação e tecnologia. Silva é bacharel pela ESAN (Escola Superior de Administração de Negócios de São Bernardo do Campo) e pós-graduado pela FEA – USP em Administração e pós-graduado em Sistemas de Informação pelo IMT (Instituto Mauá de Tecnologia).

Fonte: Direcional Escolas – 20/02/2019

Compliance Comunicação